Orgulhar-se não é uma tarefa tão simples assim, né?
Por Wesley Miranda Marques.
Eu sei muito bem disso, por muito tempo eu não consegui. Por muito tempo eu não me aceitava, não me orgulhava de ser eu, claro que por influências das muitas vivências e experiências que eu vivi e que dificultavam esse “orgulhar-se”. A sociedade, (família, escola, igreja e todos os espaços que eu estava inserido), pregava e impunha, com toda força, que a minha forma de ser, de sentir e de expressar era “errada”. Desde criança eu ouvia intensamente que a forma que eu me sentava era errada, que meu cabelo era errado, que minha voz era errada, que minhas expressões eram erradas (sensível e delicado demais) e principalmente, que se eu continuasse a ser assim seria excluído e rejeitado. Foi introduzido em mim, todos os dias, como eu tinha que ser, o que eu tinha que falar, o que eu tinha que sentir. Totalmente antemão do desenvolvimento natural que se espera para uma criança, é tão cruel essas imposições que a sociedade impõe e que as famílias absorvem também em seu seio mais íntimo com valores e princípios morais cheios de conservas culturais enrijecidas. Nas fases de desenvolvimento da criança os processos de vinculação com seus formadores são muito importantes e eles que fazem os marcadores do processo de maturação para sua identidade desde a primeira infância lá na sua matriz de identidade. Na perspectiva de Moreno, a identidade é formada durante um processo de desenvolvimento evolutivo humano que tem sua fundação na matriz de identidade. Este conceito é um dos pilares na teoria socionômica. A matriz de identidade é “a placenta social da criança, o locus em que ela mergulha suas raízes” (MORENO, 1997, p. 114).
É na Matriz de Identidade que se iniciam as relações, interações, descobertas… É nela que se encontra o Primeiro Universo da criança, um mundo que a circula desde o nascimento, proporcionando “segurança, orientação e guia”. (MORENO, 1978, p. 114).
É nela que a criança desenvolve suas primeiras bases para o processo emocional, onde cada uma tem seu tempo e desenvolvimento. E nela também onde muitas das vezes as pessoas que são LGBTQIAP+ enfrentam as principais violências, são silenciados, são negligenciadas, são rotuladas como problema, são até mesmo excluídas desse sistema família. Os principais egos auxiliares, que deveriam dar amor, acolhimento, respeito e proteção são os que humilham, excluem, violentam e abandonam seus filhos.
Se livrar dessas marcas não é fácil, as ressonâncias dessas “violências ” podem ficar para uma vida inteira, faz tanto mal para a gente que de forma inconsciente ou até consciente acabamos também fazendo mal para outros. Perdemos nossa espontaneidade, vamos sobrevivendo na base da resistência, da luta, do sofrimento e da tentativa de se afirmar enquanto indivíduo. Não é fácil dar respostas novas a situações antigas ou dar novas respostas a novas situações de forma adequada tendo vivido tantas violências e situações que feriram o mais íntimo do nosso ser, que fez com que fossemos obrigados a simplesmente ser o que conseguíamos ser. Eu sempre achei que era espontâneo, sempre acreditei que o que me fez chegar até aqui era a espontaneidade, mas após conhecer tal conceito apresentado por Moreno eu percebi que não, a espontaneidade é um fator que traz a saúde, é a divindade que está em cada um, mas ela acontece na relação de indivíduos mutuamente provocando encontros bélicos. Eu fui resiliente, fui sobrevivente.
Desfazer essas marcas e ressignificar a sua história, suas dores é muito difícil, mas não é impossível. Mesmo depois de adulto encontrei muita dificuldade, principalmente comigo mesmo (internamente), relações difíceis, enfrentamentos diários, preconceito, exclusão, violências pequenas e grandes. Eu fiz um caminho árduo, dolorido, mas fiz. Encontrei pessoas que me ajudaram (outros egos auxiliares), encontrei formas diferentes de ser no mundo (Psicodrama). Com o tempo fui entendendo que essa era minha causa também e precisava ser minha LUTA, que as dificuldades, os lutos, as perdas precisavam me levar a um outro caminho. Precisava usar minha história, minha experiência, meus conhecimentos como potência para fazer a diferença na vida de outras pessoas. Com o Psicodrama eu encontrei não só uma metodologia para pautar meu trabalho, eu encontrei meu jeito de ser e estar no mundo. Ele fundamenta meu papel profissional, mas também todos os outros em que eu atuo.
Hoje encontrei de fato qual é minha luta, hoje tenho recursos, informações, conhecimentos e principalmente forças para lutar por mim e por todos aqueles que precisam de um acolhimento, respeito e promoção da sua identidade e saúde emocional. Ser para alguém a mão estendida, que entende, que acolhe e que luta junto.
Wesley Miranda Marques é psicólogo, psicodramatista, terapeuta comunitário e bailarino. Ativista LGBTQIAP+, pesquisador e produtor de estudos das temáticas de gênero e diversidade sexual. Atualmente atua na promoção dos cuidados emocionais e bem-estar da comunidade LGBTQIAP+.