Psicodrama agora!

Por Januário Júnior.

Jacob Levy Moreno, criador do método psicodramático, imaginava que Deus primeiro criava e só então refletia sobre o que havia gerado. Vale dizer, de acordo com Guimarães (2020), que não tratamos aqui da existência ou inexistência de Deus, mas de uma referência para o grau máximo de criatividade. E ele dizia também, de acordo com Nudel (2020), que todos possuímos uma centelha divina. Dito isso, proponho a você seguirmos este roteiro: criar primeiro e refletir depois. Se aceitar a proposta, pedirei a você, agora mesmo, que realize pequenas ações que irão gerar sua criação. Do contrário, pode pular a leitura diretamente para a parte “a criação é agora”, logo adiante. Vamos lá?

Em primeiro lugar, observe sua realidade neste momento, tanto externa quanto interna. Perceba os detalhes das coisas que vê, ou toca, ou escuta. Preste atenção em suas sensações, reflexões e sentimentos. Não há nem passado nem futuro, só o instante. Agora, pensando em palavras como criação, alegria, solução e liberdade, escolha um objeto qualquer, próximo a você. Ou uma paisagem. Até mesmo uma imagem em sua mente. Escolheu? Se não estiver sendo fácil, não há problema, espero mais um pouco para continuar.

Muito bem! Agora, imagine que o que você escolheu pode falar. E mais, que fala somente coisas muito importantes e verdadeiras. Das coisas que diz, uma frase se destaca. Preste atenção nessa frase, ela fica bem clara para você. Que frase é essa? Agora, reflita como essa frase pode te ajudar daqui para frente, em qualquer área da sua vida. Deu certo? Se sim, ótimo! Se não, tudo bem, você pode ler novamente esses dois parágrafos e repetir as ações até conseguir, se quiser.

A CRIAÇÃO É AGORA

Constantemente, estamos cercados de histórias que tem uma duração. Nos filmes, séries e livros. Na própria mitologia, heróis e heroínas que realizaram grandes feitos, vivenciando uma jornada com começo, meio e fim. Nas falas cotidianas – “ontem, não houve tempo para conversamos, vamos nos encontrar semana que vem?”. Pensamos nossa própria vida como uma história que está se desenrolando. Quando crianças, fizemos isso e aquilo. Na adolescência foi (ou está sendo) de tal modo e imaginamos como será o futuro. Percebemos a realidade como duração.

Geralmente, também olhamos a vida como uma sequência de eventos causados por outros. Por exemplo, alguém pode ter falado a você sobre o Blog da Federação Brasileira de Psicodrama, o que despertou sua curiosidade e agora você está lendo esse texto. Ou na ocasião, há pouco mais de um ano, em que quebrei dois dentes ao cair de bicicleta. A roda da frente se soltou e, por isso, cai. A queda causou meu impacto contra o asfalto, que foi causa da fratura e assim por diante. De acordo com Moreno (2014) essa visão determinista prejudica nosso processo criativo.

Desde o nosso nascimento, até mesmo antes dele, existem roteiros que dizem como devemos viver. A expectativa da família sobre nossas carreiras, as normas de comportamento da escola. Os diferentes papéis nos grupos dos quais fizemos parte, nossas funções profissionais. O que devemos comer e como, a lista é infinita. Esses roteiros nos permitem interagir com o mundo e são muito úteis. O problema é quando não nos sentimos mais livres e a passagem do tempo – duração – é percebida como uma espécie de prisão de onde é impossível sair porque é necessário que seja assim. Causa, efeito. Causa, efeito. É tão grande a influência do costume que “quando dá a impressão de não intervir, é unicamente porque se encontra em seu mais alto grau.” (Hume, 2000, p. 51).

No entanto, nos diz Hanna Arendt (2014), o que mais se vê mesmo em épocas terríveis em que a liberdade é cerceada é justamente a capacidade de recomeçar, de criar algo novo. Uma espécie de “milagre”, no sentido de que o imprevisto acontece. Como se houvesse uma quebra nas relações de causa e efeito.  Você, que está lendo agora, certamente pode encontrar na sua história ou na vida de outras pessoas, exemplos de situações que pareciam sem saída, mas uma revolução mudou tudo.

Moreno considerava (2014) que a espontaneidade, capacidade que todos nós temos de dar uma nova solução para um problema antigo ou uma boa resposta para um novo desafio, é “o desvio das ‘leis’ da natureza”. Essa criação só é possível no único tempo que existe: o agora. No instante que, de acordo com Bachelard (2010), é a realidade suspensa entre dois nadas, o passado e o futuro. Se desenvolvemos a capacidade de nos conectar ao instante e de ser espontâneos, conseguimos criar com liberdade e conexão com nossa verdadeira jornada – agora mesmo!

REFERÊNCIAS:

ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo, SP: EDITORA NOVA PERSPECTIVA S. A, 2004.

HUME, D. Investigação Acerca do Entendimento Humano. São Paulo, SP: Editora Cultural Ltda, 2000.

MORENO, J.L. Psicodrama. São Paulo: Editora Cultrix, 2014.

NUDEL, B. Moreno e o hassidismo. São Paulo, SP: Ágora, 2020.

GUIMARÃES, S. Moreno, o mestre. São Paulo, SP: Ágora, 2020. Edição do Kindle.